- COLEGUISMO

 Olhei nos olhos dela e simplesmente estava furiosa. Fiquei furioso também, como ela podia mesmo depois de tanto tempo tolerar isso e ainda mais descontar em nós? Que ousadia. Eu odiava aquele colocar de cabelo repetitivo e metódico atrás da orelha incansavelmente. Odiava ela agora e ali! Queria gritar e esculhambar com ela sem arrependimentos. Eu juro que eu queria, mas infelizmente não podia .

 Quando aquela mulher ranzinza chegou aqui, ela era uma bela mulher, não tinha esse frizz exagerado de cabelos brancos recém-nascidos. Não tinha esse ar de agonia e pressa. Eu mesmo vi ao longo dos anos seu bigode chinês começando a ocultar as faces de seu lindo sorriso. Eu também acompanhei seu trocar de padrão de vestimenta, de elegante a popular, de popular à careta demais. Guardava sempre na segunda gaveta um retrato dela mais jovem, o qual a pegava vendo vez por outra... Parecia lamentável seu olhar.
 
 Vi aquela mulher de salto 15 começar aos poucos com as sapatilhas, depois rasteira, agora molecas. Eu sei até mesmo quando tudo isso começou, foi na sua gravidez de gêmeos. Eu lembro muito bem da vez que ela vomitou no diretor em plena reunião e foi lhe dito " É por isso que mulher é complicado de contratar", ela meio triste e envergonhada colocava os dentes cerrados atrás da língua e mordia até sangrar. Um pé estava ancorado atrás do outro. Era sua reação a ofensa naquele instante. Guardava, como eu tinha que fazer agora, todas aquelas palavras mesquinhas e odiosas que brotavam em sua mente.

 Eu por seguir essa mulher da juventude a suposta e ridícula melhor idade ( para quem?), já não podia ter a permissão de antes de aborrecer-lhe. Isso porque estava sensível demais desde que entrou no inferno da menopausa. Esperava ansiosa a aposentadoria, já não suportava mais aqueles dígitos que teimava repetir todos os dias ao passar as compras. Desejava não sorrir forçadamente a clientes desrespeitosos e chatos. Queria mesmo lhes mandar à merda. Mas, como eu, também não podia.

-Faltava pouco, dizia ao finalizar o expediente, hoje também já estava faltando pouco quando ela parecia respirar com dificuldade, seu semblante cansado e ela mais velha do que nunca insistia em continuar enchendo a cabeça da gente com suas reclamações.

 Hoje, também quis mandar você à merda, mas de repente lembrei quem você é para mim e sorri das suas coisas perturbadoras. Segui em frente para bater meu ponto, afinal, agora faltava pouco para mim também!


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