A VINGANÇA

  Ouvi seus passos apressados na escada e me escondi debaixo dos lençóis, enrolei a cabeça no cobertor grosso, em outubro sempre faz muito frio por aqui e a presença inevitável e certa dele me fazia também sentir um ar gelado tomando meu corpo, meu nariz respirava com dor aquele ar pesado de sua pressa total e até, pelo menos às vezes, cruel. Um, dois, três e zais! Ouvi o barulho da porta que se abria e ele a caminhar, agora mais suavemente, em direção à cozinha...  Podia imaginar o modo como pisava aquele chão de cerâmica preta, ele fizera questão de escolher a cor da cerâmica, lembro-me bem que quando dissemos a Lúcia que nosso chão seria preto ela relutou e até criticou, mas ele escolhera e já era claro que seria assim, intimamente sempre preferi azulejos brancos, sempre quis que tivessem desenhos florais, mas ele escolheu os pretos e agora pisava no chão de azulejos pretos que ele escolhera há muitos anos. Podia ver ser quisesse realmente até mesmo a expressão de sua face corada ao abrir a geladeira. Sim! Ele iria ficar corado de raiva porque eu COMI SEU PURÊ... Dá até vontade de rir, só de lembrar a cara dele, ele um dia disse furioso: ‘ Meu anjo, não queira me irritar nunca, mas se quiser pode comer meu purê’, e foi só por isso que hoje comi o purê dele, só pra saber que ele ficou irritado e furioso e que não pode fazer nada a respeito... Ele que começou e apesar de eu estar consciente que isso é meio que criancice, eu já fiz e pronto. E agora posso sentir suas palavras entrando em mim e me ferindo, mas já não importa, pois me sinto vingada! Ele abriu a porta do quarto e tentando fazer o mínimo de barulho possível aproximou-se da cama e descobrindo meu rosto, beijou minha face e disse no meu ouvido “Boa noite, Amor!”...
  Fiquei feliz porque ele aprendeu a lição!


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