APARÊNCIAS
Carne branca, olhos negros como noite sem luar...Assim era Sônia. Dizia-se uma visão incomoda e desejável, aberracional e perfeita! Todos a queriam, pedaços, migalhas, qualquer coisa pra lembrar. Passava indiferente, era sombra, vislumbre intocável. E um dia, como todas as outras, Sônia caminhava perto do lago e foi atropelada por um ciclista distraído, traído por sua beleza cigana, vulgar, humana, quente e distante.
Sônia andava sobre a terra como um anjo de outro mundo. Superior, inalcançável. Até chegar a sua casa. Uma morada comum, quarto vazio, sala com um sofá velho e cheio de buracos, cheiro de mofo, cachaça, sangue, cigarro e vômito. Morria no primeiro passo para entrar em casa, qualquer sonho, qualquer felicidade ou esperança conquistada, qualquer olhar angelical que pousara sobre seu coração nas ruas. Indiferente, estava sempre tão presa no seu terrível mundo secreto, tão cheio de dores e angustias.. Um mundo recheado de silêncios medonhos e abomináveis. E outra noite se fora. Num canto do chão um colchonete fino e sujo acolhia triste aquele corpo cansado, sufocado, infeliz.
Um outro sol, a brecha da janela que caia a incomodava demais para poder continuar ali, séria e pensativa. Sentia como que um choque tocar e vibrar por todo corpo e de supetão levanta-se. Vai ao lavabo, sem descrição humana ou resquícios de alguma esperança. Caminhava trôpega, sentia fome, comeu pizza de ontem, bebeu agua da torneira, abriu a luxuosa geladeira, suspirou pelo vazio. Vazio no coração, aperto estranho, vazio no estômago, vazio na geladeira. Algo quente e molhado pareceu cair pelas faces abaixo, rolava rápida, uma e depois outra...Sem maldições ou bênção. Vai no quarto, ainda tão vazio, e pega o casaco de Casimira rosa, coloca o seu scapin preto, seu preferido, no pedaço de vidro que aproveitou como espelho, assusta-se, como aquela pessoa no espelho parece divina. Ela procura-se, toca-se, finalmente, ainda descrente identifica-se como a pessoa do espelho, custa-lhe acreditar... É divina. Põe um sorriso largo no rosto, treina o rebolado, sorri de novo. Segue em passos inseguros até a porta.
Abandona o mundo sujo, esta salva pela luz do sol quente sobre sua pele. O céu esta lindo, as nuvens a abraçam apertado, os raios daquele sol quente lhe fazem promessas ao pé do ouvido. Sorri. Inteira, feliz. Algo nasce nela pela manhã... Sempre morre ao cair da tarde pra nascer de novo feliz no dia seguinte.
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