ENCONTRO AS ESCURAS
Ouvira que todas as
pessoas meio perdidas, poderiam topar mesmo com ele. Muitas de minhas amigas já
afirmaram conhecer alguém que já havia estado com ele. Elas descreviam seus
olhos ‘puxadinhos’, seu sorriso de ouro com dentes brancos que pareciam de um
comercial da tv e a fala mansa entrecortada de risos e leveza. Tinha paz e
clima aonde ele chegava. Muitas contavam tê-lo visto na praia em dias de lua,
outras numa sorveteria no meio da tarde, ainda outras menos desacreditadas
diziam tê-lo encontrado nos seus divãs, mas duvidas cabiam nesses casos. Bem, o
fato é que lenda é lenda. E eu, claro que sou amante das ciências não poderia
simplesmente acreditar no que não pude ver ou sentir. Mas, a vida nos prega
muitas peças e por sua ironia terrível naquela semana de outubro, logo depois
de uma relação ir para o brejo e eu estar arrasada e meio perdida, eu estive
com ele, ou melhor, ele que esteve comigo. Eu e O MENSAGEIRO estivemos lado a
lado.
∞∞
Estava com uma tremenda
enxaqueca naquela quinta-feira, se fosse por mim jamais pegaria aquele trem
apertado e chato. Tomei um bom calmante para aguentar o tranco e segui... Teria
ficado na cama e repousado como me aconselhara a Marta. Enfim, o fato é que lá
atrás tinha uma poltrona vazia, isso já era milagre e mais, ninguém do lado, ou
seja, milagre dos grandões. Isso me distraiu. Confesso que fiquei por um bom
tempo pensando no mecanismo esquemático para justificar aquele enorme milagre.
Até então estava muito ruim ainda estar naquele trem. Então do nada, digo que
foi do nada porque realmente não recordo nenhuma parada que o trem pudesse ter
feito para aquele passageiro especial ter embarcado. E como já tinham muitas
poltronas vazias a essa hora, ele não precisaria sentar lá no fundão do meu
lado né? Mas, foi para lá que ele se encaminhou... Quando o avistei e meus
olhos cravaram-se nos dele, para ser sincera, eu poderia mesmo ter planejado
tudo aquilo, e talvez eu tenha mesmo, acredito que seu olhar foi um pedido pela
minha companhia e meu olhar com um sorriso foi um doce consentimento. Não
poderia era adivinhar nem no meu melhor sonho que ele era O MENSAGEIRO, aquele
mesmo que eu duvidei existir e do qual tanto falavam as garotas, aqueles
suspiros quando mencionavam seu desejo de estar com ele... Finalmente eu podia
entender muitas coisas. Mas, não entendia o porquê de um estranho tão
impressionante e de olhar tão marcante querer estar ali. Normalmente sou bonita
e gosto que os homens notem isso, todas gostamos, mas naquele dia beleza era o
de menos em mim... Tudo o mais era um vazio que aquele olhar completou num
segundo... Já chegava a noitinha e algo que ele dizia fazia sentido para mim: “De dia os olhares trocavam palavras... À noite as palavras trocavam
olhares”. Foi somente uma de suas adoráveis pérolas para meu coração solitário
até aquele instante.
Falamos de tantos
momentos que fomos adentrando um no outro sem notarmos, mergulhamos nas
superfícies e à medida que nos transbordávamos, afundamos sutilmente na
intimidade do amor e do coração. Ele me traduzia com suas palavras e eu não
lembro se calava no seu discurso ou me perdia nos seus olhos profundos,
intensos que sentia despirem minha alma. O fato é que não queria que aquilo
terminasse. Seria hipócrita inventar um dialogo, guardei o gosto do momento, a
vontade de infinito, o suave toque da voz, mas poucas palavras ficaram. Lembro
que em algum ponto ele me recitou um de seus poemas, senti-me meio feliz e meio
pensativa, pois havia muita verdade naquelas simples palavras. Tinha a ver com
laços que não se rompem... Tentarei recordar com exatidão sua voz de veludo a
dita-los suavemente... Parecia um segredo... Ele dizia: “Sempre sobra algum fio preso a você”. E aquilo tudo vindo de um
recém-chegado era tão inusitado que eu adormeci com sua voz... E um barulho na mente ecoava ainda uma ultima frase: Liberte-se!
Acordei quase além do meu
destino. Não o fiz porque o motorista gentilmente me despertou. Assustei-me de
não vê-lo do meu lado. Eu nunca mais ia querer ninguém do meu lado que não
fosse ele. Mas, tinha que seguir silenciosa. Perguntei ao motorista se conhecia
o senhor que estivera do meu lado, mas ele sorrindo disse que não havia visto
ninguém ali, que eu estivera sozinha por todo tempo. Depois de afirmar que ele
estava errado e que na realidade não fora isso, ele sorriu em tom de deboche e
disse NESSE TREM SEMPRE ESTÁ O MENSAGEIRO! Eu fique irritada pela zombaria...
Somente a noite refugiada nos lençóis e abraçada ao travesseiro sentindo-me
livre eu considerei a hipótese dele como certa. EU ESTIVERA ALI... COM O
MENSAGEIRO! Mas, sinceramente ainda não me parecia bem real... Mas, no novo
amanhecer, nessa gama de liberdade que me assolava indefinidamente, eu abri o
jornal e havia na seção de poesias um poema que me fez ter certeza que aquele
encontro foi real.
“Esqueço-me do tempo, lugar,
Do destino.
Irracional onda,
Que me leva.
Alegre concede,
A secreta intimidade,
Que em um instante,
Completa minha vida.”
(O MENSAGEIRO)
(07/11/13)
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