A MOÇA DO JARDIM


   Caminhava toda tarde por aquelas vielas vazias e nunca, jamais havia avistado aquela casa verde, nem aquele jardim tão perfumando, nem aquela rosa exposta, nem aquele olhar flamejante que me atingiu como um raio de sol tirando meu foco e cegando-me para qualquer outra visão do universo senão ela. Era deslumbrante, cativante com seu pequeno rosto de menina e seu porte de mulher irresistível. Tinha nos olhos o fogo e a vida. Era quente por dentro e mesmo sem toca-la pude sentir isso. Arderia em minhas mãos afaga-la. Ela me consumiria se eu continuasse ali parado, ou pior, alguém nessa cidade doida poderia me esmagar sem aviso prévio. Só por esse sinistro momento de sanidade é que resolvi me afastar do anjo que diante de mim sorria e procurar a calçada oposta onde a visão do céu era no mínimo tortuosa.

   Um senhor de carro passava apressado e ao deslumbre da minha cara de ‘boboca’ ele ousou atrapalhar minha eterna contemplação com sua indelicadeza e ar de deboche, gritou de onde estava:

   - Hey, você seu tonto do outro lado.

Resmunguei algo do tipo:

    -Eu? Como ousa?

    -É você mesmo, venha cá.

Pergunto-me incrédulo porque diabos eu fui, mas inconsciente dos meus movimentos eu caminhava até ele ainda com meus olhos postos sobre a chama ardente que do lado direito da rua queimava meu coração.

  - Ela não vai te fazer bem garoto. É uma visão celestial, mas um problema infernal. Não dou conselhos, mas não desejo este ‘mal’ a ninguém. O melhor que faz é ir pra casa. (Ele tinha um tom ordeiro, que me fez ficar atordoado).

  - Por quê? (foi somente o que consegui pronunciar sem muita certeza se queria realmente saber).

    Ele sorriu maquiavélico e estalou os dedos.

    Lembro-me claramente que tudo mudou.



   Acordei num quarto todo branco... Uma seringa imensa me ‘cutucava ‘o braço direito. Sentia um efeito hilariante me tomar de assalto... Era domingo... Era o fim da tarde... Ouviu um som alto como de sino de igreja anunciando uma missa... Tum- tum!

  Meu apartamento era na Rua 34, CityLand, meu nome agora era Zenon, estava numa vida que não era a minha, mas não me importava. Não perguntei os porquês do que sucedera, nem sei se alguém me diria na verdade, sabia somente que meu destino era completamente incerto naquela hora. Fui vencido e estava entregue aquele olhar febril que me comia com os olhos. E tinha aquele fogo que me consumia... Estava quente por dentro e tudo em mim queimava e eu só conseguia sorrir feliz pelo reflexo vazio da imagem dela num espelho velho. Foi assim que ama-la tornou-me por um minuto imortal!

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