O DIA ESPECIAL
Caminhava distraída. Nem podia supor o que
me reservava o acaso daquele dia cinza. E pelo aspecto do céu aquela noite
seria bem tumultuada. Não havia um prenuncio de noite como aquele ha dias. E
sem lua. A lua parecia ter conquistado o direito sagrado de ausentar-se daquele
holocausto. Um incontrolável desejo de vê-la naquela noite me atormentava. Eu a
procurava em desespero... Como se fosse a ultima chance de tê-la diante de meus
olhos e de certo modo eu estava certa no meu sentir inexplicável.
Topamos por acaso numa rua escura de
Frluye, vivíamos ali há anos e jamais imaginamos, falo por ambos, que estaríamos
juntos naquela noite. Sua mão na minha era quente e apertada... Por alguma
razão estava suando muito. Falava palavras de despedida. Como se tudo fosse
acabar ali, mas o que era tudo nesse caso? O nosso mundo ou a nossa vida? Não
dava para saber por suas expressões, pois eram frases vagas e em algumas até
usava palavras impronunciáveis. Ele estava estranhamente intimista,
introspectivo como nunca antes. Falava de recordações, coisas traumáticas e que
nunca ousara antes mencionar. Ele sempre foi calado e eu sempre respeitei seu
silencio. Imaginava, nas noites frias em que ele demorava a vir deitar, ficava
diante da janela olhando fixamente para lua com uma expressão de desalento, que
tinha algo escondido, algo terrível o importunava naquelas madrugadas.
Caminhávamos sombrios como a própria noite.
Ele me contou que quando era criança sua tia Dora o levou a um barco e quando
estavam no meio do nada ela sorriu com riso de desdenho e disse ‘ Menino, vamos
morrer, não temos mais como voltar ao porto, sem comida e agua morreremos aqui,
temos mais uns dias, só isso’. Ele se apavorou e sentado na proa apenas
conseguia chorar. Ela o aterrorizou até ele não suportar... Tentou pular no
mar, mas ela não permitiu, o puxou de volta e disse que essas coisas não se
faziam... ‘Fugir é coisa de covarde, não somos covardes’. Tínhamos chegado na
praia... Nesse ponto da conversa ele puxou-me para diante dele e estávamos frente
a frente. Segurou meu rosto docemente entre suas mãos e beijou-me na testa. Eu
sabia que aquilo significava que tudo ia ficar bem... Era o nosso sinal. Foi
tão lindo. Foi o momento mais bonito da gente. E tudo ficou escuro e eu
apaguei.
****************
Você era tão especial... Diante de sua figura branca, fria e com olhos
tenebrosos, eu esqueço que foi um dos maiores amores da minha vida. E está
morto e não é mais nada. Eu já matei você.
E você não pode nem quis reagir, era a
mulher da sua vida colocando aquele punhal em seu peito enquanto você a beijava
na testa... E eu sabia que você sabia que eu te amava e tudo ia ficar bem...
Graças a seu gesto agora sei que sim, tudo vai ficar bem...
E agora tudo é vazio... Entre uma taça e
outra de vinho eu sinto falta dos seus passos bobos pela casa... E começo a
imaginar que aquela borboleta na janela me olhando tão suavemente é você. E
talvez ainda dentro de mim exista algo que queria trazer você de volta. Mas, você
está morto para mim e não poderia mudar isso... ‘Tudo vai ficar bem’ você me
disse no silencio de um beijo... E me fui... Eu conformada segui meu caminho...
E você também se foi para sempre.
Ando tão assim... Sem você...
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