A MENINA QUE ROUBAVA
Sentia paz no cafuné da sua vó. Você pediu para não escrever sobre nós, disse
que seria um acordo, eu e você... Seriamos um segredo, mas você se foi e não me
resta mais razões para guarda-lo, não me restam razões, pelo modo abrupto de
sua partida, para não contar ao mundo como você foi genial, apaixonante, serio,
chato e confuso. Você me disse para ‘roubar sem roubar’, e eu roubei você, é o
feitiço contra o feiticeiro. Eu te ouvi, e roubei suas histórias, que talvez um
dia eu conte, ou não conte, verei no futuro o que fazer com elas, eu roubei seu
silencio que tanto você aprecia e roubei a solidão que você tanto venera.
Roubei ainda mais e tenho provas concretas, roubei nossas conversas,
roubei um áudio com sua voz que tanto queria, e que confesso, ainda ouço, às
vezes, a noite só imaginando que você ainda pode voltar. Roubei seu charuto
cubano e sua vontade de que eu ficasse sempre depois e depois... Roubei sua paz
por alguns dias, roubei suas risadas, e deste roubo em especial eu me orgulho,
e você não podia dizer que não eram reais, não pode nem mesmo agora dizer que
foram ilusão, elas mergulharam na alma e bagunçaram todo o universo, elas
fundiram-se a poeira estelar e eu jamais vou esquecer toda profundidade delas. Também
roubei flores para enfeitar seus dias, e roubei horas para te fazer feliz...
E hoje, por uma razão tão simples como o
gesto de respirar eu me lembrei de sua passagem rápida na minha vida, como um
rio que segue seu fluxo natural através de qualquer obstáculo, você seguiu seu
rumo, mas não antes de deixar algumas lembranças, que nem queria guardar, mas
guardei, e certa saudade meditativa que proveio sem duvida de você. Um rapaz
caminhava na minha frente e tinha uma moça loira do outro lado da rua, ambos
caminhavam trocando olhares e sorrisos. Arrisco-me a afirmar que foi um flerte
de uns quinze minutos, sem interesse, no entanto, e digo isso porque não havia obstáculos
reais entre eles, somente alguns passos e poderiam se conhecer, mas não foi o
que aconteceu. Andaram e andaram, olharam e olharam... E ai, inesperadamente, Bum!
Chegamos à esquina, uma perfeita metáfora da vida são as esquinas, ali se
interrompeu o flerte, a companhia, o olho no olho, ali deixavam para trás o que
podia ou não ser e simplesmente seguiam em frente... E a vida foi assim e você também...
Tanto o rapaz quanto a moça loira do outro lado da rua e também você, todos
dobraram a esquina sem olhar para trás. E se foram sem adeus!
E apesar de tanto pequenos furtos, você me
venceu... Você roubou o meu direito de saber o porquê, roubou de mim a chance
de te dar o abraço final, roubou a oportunidade de vê-lo ou ouvi-lo uma ultima
vez, mesmo que fosse para te ouvir-te dizer ‘maldita despedida ou maldita escritora
romântica’. Não mais vou falar de você, pensar em você ou sonhar com você, mas
vou sempre lembrar de que de todas as minhas pequenas fraudes secretas, a maior
delas foi ‘surrupiar’ umas de suas risadas e estas jamais poderei esquecer, e
confesso, estão guardadas no meu baú, num potinho laranja com uma tarja branca
com o nome do legitimo dono!
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