-NO FIM DA ESTAÇÃO
Hoje, já no fim do inverno, sai à varanda e vi a
cidade lá fora e pareceu tão aconchegante. E fiquei triste por me entender como
uma prisioneira num jaula de cristal na selva de pedra. E desejei voar pela
varanda e ser ‘menino pássaro’ quando como era pequena e éramos pássaros que
voavam sentados na galha mais frondosa da oliveira sempre-verde no meu quintal.
Sentia de repente um ar que invadia os meus pulmões me encher de novo de uma
vida de antes que eu amava e não sabia. A liberdade de ir para o desconhecido
junto com a certeza de habitar junto do útero materno. Indo para casa, sinto-me
ansiosa e meio perdida. Há tantos caminhos percorridos nesse meio tempo que a
infância e outra época boa da minha vida ficam sussurrando ao meu pé de ouvido
para voltar e fixar morada naquele pequeno paraíso que fora nosso mundo.
Uma minuciosa e confusa analise me leva a
cozinha com passos pausados e lentos como ensaiando uma dança libertadora.
Mecânica e suavemente me desloco entre o vazio de uma mesa que não existiu em
nenhum momento e penso nas quatro cadeiras, uma de cada cor, que já não mais
parecem se adequar aquele ambiente. O marrom da tinta no balde e o traço mal
feito na parede, um imenso borrão ‘vou consertar’ lembro-me que disse em um dia
de verão e agora que todas as estações se foram ainda estou ali e aquele borrão
também, olha-me culpando-me pela péssima escolha da cor e a eterna indecisão.
Um estrondo na varanda me leva de volta e
velozmente até lá. É o vizinho descarregando outra mudança, a quinta desde que
eu mesma fui à segunda. Sempre caras novas habitando por aqui e eu sorrindo a
vizinhos que mal dá tempo decorar os nomes, antes era perturbador a uma
interiorana não saber nomes, hoje sei que na capital é impossível fazer esse
tipo de ligação, não dá tempo, eu tenho pressa de subir meus degraus e me
isolar do mundo real que tem armas e sangue nas mãos, e no meu celular me
refugio. Eles igualmente têm suas pressas, criança que chora e tem fome,
escola, chefe, celular... E cada um segue... Sem tempo para nomes ou aflições
pessoais. Às vezes, sentia como se doesse se importar com o outro, como se
pagasse do bolso os minutos que se gasta ouvindo a historia de superação da
moça com câncer, o menino crescido que foi adotado, ou o ladrão que se
arrependeu e depois virou crente e hoje prega seus irmãos em alto volume em
algum templo.
Chega a noite e a arvore perturbadora lá fora me
incomoda, grita como se quisesse um pouco dessa minha atenção, sempre miúda
entre as demais ela parece um menino do pé torto no pré-escolar, aquele triste
por estar sozinho e ser incompreendido. Eu a olho com carinho de mãe e recordo
as lágrimas de uma amiga caindo grossas por sua face e a leveza da arvore eu
desejo que possa ser dela um dia. Tocou-me a cena da arvore e da amiga, senti
um estranho desejo de fincar as raízes nesse solo e mostrar para esse universo
que vim pra ficar e aparecer. Depois, bem menos modesta, eu vou até a pia, abro
a garrafa e conformo-me de tomar um café quente e forte, na velha caneca
roubada da mãe, com deliciosas torradas da padaria e com tua lembrança doce na
minha memória para sempre...
(19/08/15)
João Pessoa
Comentários
Postar um comentário
Se você gostou do texto, comenta para eu saber :)