-MALDITA ESCRITORA ROMÂNTICA

Zygmunt Bauman


POR UM MINUTO
“E todos os amantes já adormeceram
E todas as palavras já se calaram
Já não vive o mundo em que se perderam
Nem as madrugadas em que se amaram...”
(Bruno & Marrone)

     No inicio da manhã seu cheiro, sua voz embargada de sono, seu sorriso meio malandro... No inicio da manha você me fazendo realizar sonhos, me confundindo, me acalmando e perturbando ao mesmo tempo. Você com suas eternas certezas, firmezas e decisões. Insiste dia a dia a testar meus limites, minhas coragens e medos e me desafia a ser maior que meu próprio mundo.
      Naquela quarta-feira o mundo poderia parar porque seu calor me manteria alerta por dias, horas e milênios. Embebida no seu inebriante gosto pela aventura eu me vi perdida, mas tão feliz, que poderia viver nessa incerteza sem ao menos questiona-la.
      Estranho olhar através do espelho do tempo e ver isso como uma distante lembrança, como se num passado lá distante a gente fosse mais a gente do que é hoje. Indiferente a angustia de não reviver aquelas manhãs, sente-se no ar uma disparidade de inconstâncias que nos levam a cada dia estar mais longe de nós e um do outro. Prazo de validade para felicidade? Talvez sim. São rotinas que se absorvem completamente nos dias e horas e se desmancham em mim como um rio desaguando já sem esperanças num mar de solidão.
    Imagino que o coração, a emoção e os sentimentos podem seguir seus próprios destinos, mas alheios a nós fazem suas escolhas tornarem-se perigosas. Eu sinto falta da mão carinhosa que ao afagar minhas mechas, tocava minha alma, afagava algo dentro de mim além do que apenas via-se. E então eu podia sentir uma incrível sensação de poder e perda e um enorme desejo de voar que poderia matar-me ao final, mas que não deixaria de ser nem pleno, nem extremante belo.
      Talvez pudesse dedicar essas palavras a um momento no tempo que foi passível de esquecimento e que jamais poderia ser revivido. Das coisas que corrigiria na vida seria esse instante que escrevo sem razão ou sentido, apenas por não ter como manter em silencio um espirito inquieto que grita e clama por paz... Aquela paz sensível e rápida que senti com seu braço a me envolver. Aquela velha paz que me trazia sua risada pesada, seus olhos flamejando um desejo de vida profundo e aquele cuidado meigo que era terno e displicente.
      Hoje nós mesmos adormecemos num berço de antiga paixão, já não somos como antes, nem temos as mesmas ambições, já não nos importa muito o olhar no olho e sentir. Hoje somos práticos e versáteis, nos dividindo entre conquistas e receios tolos que talvez nunca cheguem. São agonias e dores alheias e onde esta a nossa velha felicidade? Onde estão os olhos que brilham com flores ou pedras? Onde moram as palavras de afeto com quer recebemos e fomos recebidos por tanto tempo? Onde estão os corações? A que profundidade nesse abismo nós nos perdemos para acharmo-nos sozinhos e carentes no outro?!
          Respiro fundo quando a luz bate violenta na minha janela. Hora de acordar porque a vida lá fora, já tão sem graça sem você, chama por mim desesperada!


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