- TRANSPLANTE
Era só mais uma cirurgia...
Depois que ele se foi, restou-lhe apenas o álcool e a dipirona que afirmaram que curava um coração partido, depois disso aquela maldita cirrose que resultou em um transplante de fígado às pressas para manter a vida. Agora iria arriscar. Afinal, até tinha uma música que dizia " se vai poder trocar de coração". Ali em 2035, aquilo era mais que possível. Não parava de aparecer no seu feed aquela sugestão para aliviar a dor de ficar voltando sempre a mesma página e vendo aquela foto dele sorrindo. O algoritmo devia saber que ela estava sofrendo muito, daí a sugestão que ela por fim resolvera acatar.
Havia agendado na verdade aquela troca de coração, era fácil, agora ali em outros tempos, era fácil demais até para ser real. Mas, depois disso haveria a certeza de que aquele aperto sufocante nunca mais iria infligir seu peito no meio da tarde de domingo, e aquele cheiro nunca mais ia fazer aquela lágrima grossa desabar inconstante por suas faces avermelhadas fazendo-a passar aqueles vexames emocionais. Iria trocar de coração e tudo daria muito certo...
Assim o fez aquela boba. Cair em alguma coisa assim tão óbvia pode ser estupidez ou sofrimento profundo. Ela estava errada, e aqueles títulos na parede lhe sorriam amargamente sendo ela phD em neurologia. De onde vem os sentimentos mesmo? Por que uma bomba seria responsável por eles? Como assim estou tremendo agora por esse maldito cheiro como antes ou pior que antes? Havia em seu infinito desespero arranjado um coração depressa demais, deveria ter investigado o ex dono daquele órgão... Tarde demais havia arranjado tempo para isso e descobrira enfim, era um poeta, um maldito sentimental incurável! Caiu pasma ao sofá ao ouvir isso...e agora? Sabia já que estava mais ferrada que antes, especialmente porque o fígado que sempre é o segundo órgão mais importante a estes seres, seu fígado já não bastava aquela saudade!
Como viveria agora, sabendo que o coração é o mais sensível possível e aquele cheiro está espalhado em cada canto da sua casa? Como viveria sabendo que os sentimentos e emoções estão todos programados no sistema nervoso central e mesmo assim aquela bomba tola continuava assustando-a sem dó, pensava, às vezes, que queria voltar para onde veio de tão intensa que era sua batida e tão profundas eram suas agonias. De onde vinham os sentimentos afinal? Porque diabos não se perguntou isso antes de fazer aquela bobagem? Aquela foto no perfil sorrindo, aquele algoritmo idiota, e aquele coração de boêmio, estava realmente cansada porque para ela nada ali era mais real.
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