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Achei aquele velho sapato finalmente,
estava ali embaixo do sofá do lado de uma lasca de pele do peito. Do seu lado
um rim parecia me olhar criticamente.
Andava assim desde que acabou,
despedaçando-me por aí. Tinha pedaços por todo canto, alguns eu só sentia
quando pisava e sem querer acertava-os. Era diferente antes, sabe, antes não
era assim. Mesmo medicada, mesmo inconsciente do mundo eu parecia que estava
inteira, mas silenciosamente já estava me partindo como uma louca. Não sobrou
nada intacto em mim, encontrava na pia algumas veias, artérias estavam
espalhadas pelo quarto, o mais comum era o coração, de todos que se foram ele ainda
estava lá, batendo num peito sem carnes e dentro de uma caixa torácica que só
tinha alguns ossos dependurados fragilmente.
Aquela imagem no espelho era
assustadora, eu acho, perguntava-me se teria sido isso o porquê de você não me
querer. Teria sido essa imagem repugnante demais para você? Deve preferir seres
completos né? Daqueles que a foto na rede social está cheia de outros
concorrentes de olho no mesmo peito, na mesma bunda, na mesma boca, mas está
tudo emendado na pessoa, não é como eu que tenho pés perdidos, coluna travando
a porta da sala, uso meus pulsos de apoio de mesa, meus olhos estão sempre
molhados e largados em uma toalha de fios egípcios que fica ora no sofá, ora na
cama, e que por uma razão estranha nunca os seca eficazmente.
Poderia ser tipo um Frankestein, mas
só se houvesse algum remendo perdido ou alguém disposto a realizar esse
doloroso e complexo conserto. Mas não há, né? Sou então somente partes isoladas
e perdidas pelos cantos desse mórbido apartamento que está totalmente vazio sem
você!
